quinta-feira, novembro 13, 2008

o que sou?

O excesso de mim chega a doer e quando estou excessiva tenho que dar de mim como o leite que se não fluir rebenta o seio. Livro-me da pressão e volto ao tamanho natural. A elasticidade exata. Elasticidade de uma pantera macia. Uma pantera negra enjaulada.
E o que sou? a irradiante respiração fria? uma palavra? a palavra apenas se refere a uma coisa e esta é sempre inalcançável por mim. Cada um de nós é um símbolo que lida com símbolos - tudo ponto de apenas referência ao real. Procuramos desesperadamente encontrar uma identidade própria e a identidade do real. E se nos entendemos através do símbolo é porque temos os mesmos símbolos e a mesma experiência da coisa em si: mas a realidade não tem sinônimos.Estou te falando em abstrato e pergunto-me: sou uma ária cantabile? Não, não se pode cantar o que escrevo. Por que não abordo um tema que facilmente poderia descobrir? mas não: caminho encostada à parede, escamoteio a melodia descoberta, ando na sombra, nesse lugar onde tantas coisas acontecem. Às vezes escorro pelo muro, em lugar onde nunca bate sol. Meu amadurecimento de um tema já seria uma ária cantabile - outra pessoa que faça então outra música - a música do amadurecimento do meu quarteto. Este é antes do amadurecimento. A melodia seria o fato. Mas que fato tem uma noite que se passa inteira em um atalho onde não tem ninguém e enquanto dormimos sem saber de nada? Onde está o fato? Minha história é de uma escuridão tranqüila, de raiz adormecida na sua força, de odor que não tem perfume. E em nada disso existe o abstrato. É o figurativo do inominável. Quase não existe carne nesse meu quarteto. Pena que a palavra "nervos" esteja ligada a vibrações dolorosas, senão seria um quarteto de nervos. Cordas escuras que, tocadas, não falam sobre "outras coisas", não mudam de assunto - são em si e de si, entregam-se iguais como são, sem mentira nem fantasia.Sei que depois de me leres é difícil reproduzir de ouvido a minha música, não é possível cantá-la sem tê-la decorado. Mas te lembrarás de alguma coisa que também esta aconteceu na sombra. Terás compartilhado dessa primeira existência muda, terás, como em tranqüilo sonho de noite tranqüila, escorrido com a resina pelo tronco de árvore. Depois dirás: nada sonhei. Será que basta? Basta sim. E sobretudo há nessa existência primeira uma falta de erro, e um tom de emoção de quem poderia mentir mas não mente. Basta? Basta sim.

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