domingo, novembro 16, 2008

continuando...


"Mas eu também quero pintar um tema, quero criar um objeto. E esse objeto será - um guarda-roupa, pois que há de mais concreto? Tenho que estudar o guarda-roupa antes de pintá-lo. Que vejo? Vejo que o guarda-roupa parece penetrável porque tem uma porta. Mas ao abri-la vê-se que se adiou o penetrar: pois por dentro é também uma superfície de madeira, como uma porta fechada. Função do guarda-roupa: conservar no escuro os travestis. Natureza: a inviolabilidade das coisas. Relação com pessoas: a gente se olha ao espelho da parte de dentro de sua porta, a gente se olha sempre em luz inconveniente porque o guarda-roupa nunca está em lugar adequado: desajeitado, fica de pé onde couber, sempre descomunal, corcunda, tímido e desastrado, sem saber como ser mais discreto, pois tem presença demais. Guarda-roupa é enorme, intruso, triste, bondoso.Mas eis que se abre a porta-espelho - e eis que, ao movimento que a porta faz, e na nova composição do quarto em sombra, nessa composição entram frascos e frascos de vidro de claridade fugitiva.Aí posso pintar a essência de um guarda-roupa. A essência que nunca é cantabile. Só o errado me atrai, e amo o pecado, a flor do pecado. Quero a desarticulação, só assim sou eu no mundo. Só assim me sinto bem."

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