quinta-feira, março 17, 2011

Niilismo, demasiado niilismo.

Na era de laptops, chips, wifi, tv, microondas, cigarro, wayfarer, celular, memória, demasiada. Não existe
solidão, tudo preenche, esfria, anestesia. Espaço vazio que diminui a sensibilidade, a agonia. Ao redor não há nada, nem ninguém. Aperndemos a ser sozinhos, fomos adestrados a não compartilhar. É puro ego quando se publica, seja qual for a natureza, mas também é o ego que não deixa publicar, que esconde, dissimula.
O futurismo, meu caro, é arte, obra feita do tédio. Melancolia de não ter lugar no espaço, por isso e pra isso sempre on-line.


(...)
never stop.

terça-feira, março 08, 2011

Receita de mulher:

As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental. É preciso que haja qualquer coisa de flor em tudo isso, Qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture em tudo isso  (ou então Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República Popular Chinesa).Não há meio-termo possível. É preciso que tudo isso seja belo. É preciso que súbito tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora. É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche no olhar dos homens.  É preciso, é absolutamente preciso que seja tudo belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas lembrem um verso de Éluard e que se acaricie nuns braços alguma coisa além da carne: que se os toque como o âmbar de uma tarde. 
Ah, deixai-me dizer-vos que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca fresca (nunca úmida!) é também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos despontem, sobretudo a rótula no cruzar as pernas, e as pontas pélvicas no enlaçar de uma cintura semovente. Gravíssimo é porém o problema das saboneteiras: uma mulher sem saboneteiras é como um rio sem pontes. Indispensável que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida a mulher se alteia em cálice, e que seus seios sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca e possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de cinco velas. Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebal levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal! Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de coxas e que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima penugem, no entanto sensível à carícia em sentido contrário. É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio, Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!) Preferíveis sem dúvida os pescoços longos de forma que a cabeça dê por vezes a impressão de nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos, Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face, mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca inferior a 37º centígrados, podendo eventualmente provocar queimaduras do primeiro grau. 
Os olhos, que sejam de preferência grandes e de rotação pelo menos tão lenta quanto a da terra; e que se coloquem sempre para lá de um invisível muro de paixão que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros. Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que se se fechar os olhos ao abri-los ela não mais estará presente com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá e que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer beber o fel da dúvida. 
Oh, sobretudo que ela não perca nunca, não importa em que mundo, não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade de pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre o impossível perfume; e destile sempre o embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina, do efêmero; e em sua incalculável imperfeição constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável. (Vinicius)

Fempower



Carregada de mim, vou ao fundo, no meu desejo de correr mundo, onde as pegadas são aquilo que quis dizer, palavras que calei e palavras que gritei. Acendo o fogo desse eu catatonico. Esquizofrenia minha, percorrendo espaços, incompreensíveis. Me afogo em correntezas insensatas carregadas de falta de sentido. Sem propósito, apenas dentro.

É sentir esse fogo de ser mulher, ser aquilo que quero, que arde. Repertórios meus, só meus...Traços e mais traços fortes de minhas obras. Tirando de si essa doentia sindrome doméstica. É despertar e quebrar as correntes que me prendem. É despertar de meus gritos naturalmente femininos, benditos sejam meus gemidos, minha audácia.
Calos nas mãos não são de quem tateia com suavidade, mas de quem gira e contorce, é gosto forte. E a todo tempo esse gosto forte: da terra natal, da ascendencia robusta, de lutas. Meus passos carregados de mim decifram o mundo, impetuoso, que me devora. Não por acaso, estarei nesse lugar nenhum, nesse todo em tudo. Mundo a fora que me espera a fitar meus olhos com sua intensidade e brilho no olhar.
De Kahlo que tiro os tons, de Hilst a ousadia de minhas perverssões, de anais nin a força da revolução, de Florbela e Clarice doces e tortuosas palavras. Mulheres de violenta presença, soprando vida, arte em palavras sussuradas em meu ouvido.
Sou todas e mais suas lágrimas densas, sou a madrugada de voluptuosidade, que arde. A solidão no meio dos outros. Sou fogo. Sou líquida. Lamentos, desejos, falta de sentido nessa minha insensatez desvairada. Sou menos quando não sou líquida!
Sou todas mais o caminho que sigo, perplexa, segundos pairando nas dimenssões do tempo.
Sou tormento em versos, perversos. Híbrido ser fêmeo, sem gênero. Minha força pulsa em mim, só não sei se está nos seios, no olhar ou na ponta do nariz.


repostando textinho de 2009 para homenagear as mulheres no seu dia!