segunda-feira, outubro 04, 2010

A política além do voto

"Em época de eleição tornam-se frequentes mensagens e argumentos que enfatizam a culpa dos problemas do país nos cidadãos, que não sabem eleger. Gostaria de fazer algumas objeções a este tipo de retórica.
É preciso ser franco: um voto, um único voto, não muda nada, principalmente se tivermos em mente a democracia representativa tal como é a brasileira, com todas as suas falhas e contando com 130 milhões de eleitores (www.tse.gov.br - estatísticas). O poder de mudança do voto a nível macro é irrisório mesmo se um individuo convencer todo o seu círculo social a votar em um único candidato. É praticamente nulo o poder individual de influenciar através do voto em alguma decisão do governo, de determinar alguma política pública ou mesmo de impedir um governante corrupto de exercer seu cargo. É muito maior tal capacidade ao exercer um cargo público, participar de alguma organização social, recorrer a meios como lobby ou marketing.
O que quero deixar claro é a armadilha que se pode cair ao dar tanta ênfase ao método eleitoral, ao delegar tamanha importancia a um dia apenas do mês de outubro a cada quatro anos e descansar os outros 1460 dias com a sensação de missão cumprida. O voto, entretanto, tem uma função fundamental: o poder simbólico de legitimar a democracia representativa. Cada individuo qe confirma seu voto na urna está confirmando seu credo no sistema político brasileiro, ainda que de maneira crítica e não conivente com as falhas sistêmicas e com os casos de corrupção. Mais que eleger um candidato, cada cidadão que vota exprime sua vontade de que seja governado por tal candidato e que aceitará o vencedor de acordo com as regras do jogo, seja ele quem for.
Dar tanta importância aos votos do povo brasileiro, tratando este como despreparados para o exercício da democracia pode - repito - esconder uma grande armadilha. Afinal, quem é mais despreparado para o exercício democrático: o povo ou as elites políticas? Quem são os responsáveis pelas políticas ineficientes, mal gasto do dinheiro público, prostituição partidária, trafico de influência, nepotismo, casos de corrupção sem fim? Quem é que a cada eleição investe pesado em marketing político?
Considerando o baixo poder de influência individual através do voto e somando ainda a parcimônia de atitudes do judiciário, alguns setores da população recorrem a meios não formais de participação política: manifestações de rua, ocupação de terras e órgãos públicos, intervenções artísticas, boicote, greves e outros meios de ação direta. Entretando, os mesmo críticos que acusam o povo de não estar preparado para exercer a democracia, condenam tais tipos de participação política. Esses casos de manifestações são sistematicamente estigmatizados e tratados como casos policiais. Ainda assim, podemos perceber o quão essenciais são essas formas de participação política para a democracia, como fora recentemente no caso Arruda e Paulo Otávio no DF.
Um dos mais importantes cientistas políticos do país José Murilo de Carvalho (CARVALHO, J. M. Os Bestualizados. Companhia de Letras, SP, 1989) ao se deparar com tal problemática, tendo como principal preocupação a forma da cidadania no Brasil, questionava se culpar o povo eleitor e condenar métodos mais radicais de participação política não é consequencia antes do tipo de povo ou de cidadão que se busca. Como a democracia é um sistema político adaptado de outros países economicamente mais desenvolvidos, idealiza-se tal forma de governo e cidadãos mais cultos e submissos às leis. Outra vez insisto que o comportamento do cidadão é um reflexo das próprias instituições que temos. Em outras palavras, como respeitar leis com as quais não se concorda, frutos de uma política poder um país tão desigual?
Ainda que não dê tamanha importância ao mecanismo eleitoral, não é do meu intuito isentar a população de culpa. Tenho a convicção de que não há como construir uma sociedade sólida e saudável com níveis de educação tão baixos. Entretanto, outra vez voltamos ao alvo: às elites políticas, ou não é competência do Estado garantir educação de qualidade para todos os brasileiros? A quem interessa um povo tão desinteressado? Mais que um analfabetismo eleitoral, o problema está na escassa participação política de toda a população (sem excluir nenhuma classe social) no período extra-eleitoral. É preciso entender os processos sociais, reconhecer que a política é a administração da vida coletiva e, portanto, da própria vida e da vida dos outros. Entender que a política vai muito além do voto é assumir, verdadeiramente, o titulo de cidadão - e não apenas o titulo de eleitor" (Luiz Antônio Guerra - ou totz pros mais intimos)

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